segunda-feira, 24 de setembro de 2012

O Dia Em Que Eu Morri

Ele já sabia o que estava o aguardando. Quando o relógio bateu 18h, ele colocou o som no volume mais alto que podia. Ave Maria da Rua. A figura feminina que ele tanto respeitava, e precisava. Encheu seus olhos de lágrimas ao fazer a oração, mesmo não acreditando em nada daquilo.
Depois, Canto Para Minha Morte. No fim do primeiro refrão ele não aguentou e substituiu para Alive. Ouviu-a inteira e viajou no solo de guitarra. Depois, De Onde Vem a Calma, enquanto comia uma maçã.
Pegou o carro e saiu. Ficou parado no trânsito por 40 minutos. "É tarde e eu não voltei". No fim, trocou de álbum. The Black Parade.
Um carro cruzou sua frente. No último verso de Dead, reparou na placa: DED e mais alguns números aleatórios. Sentiu a presença da morte e teve medo. A partir daí, começou a se preocupar.
Saiu do engarrafamento e pegou a rodovia. Um motoqueiro bambeou a 100km/h. Ele ficou observando a moto de longe, só esperando a queda. A moto sumiu no horizonte. A morte não estava com ela.
Pensou nele próprio, mas não podia ser. Pareceu um boneco, uma marionete, dirigindo sem prestar atenção nos arredores, apenas na pista, no vidro da frente.
Seguiu o caminho, respeitando os limites de velocidade. Parou em todos os semáforos, respeitou as faixas de pedestre. A cada esquina, esperava um caminhão em alta velocidade, um ônibus desgovernado, ou ainda, um cachorro atravessando distraído.
Virou numa ruazinha de bairro e viu um vulto branco no meio da pista. O carro da frente freou bruscamente. Ele freou também, logo em seguida, e parou completamente. Era uma menininha aprendendo a andar de bicicleta. Seu pai pediu desculpas e a tirou da rua.
Seguiu reduzindo a velocidade a cada cruzamento. Nem ouvia mais a música no rádio. Estava em alerta. Sentia cheiro de morte.
Pensou em seus pais, seu irmão. Não podia ser, eles estavam bem quando ele saiu de casa. Pensou em sua professora com câncer. Tomara que não seja ela.
O cheiro de morte estava mais forte. Fumaça. O carro estava pegando fogo? Não. Era um ginásio que estava queimando desde a manhã.Viu os bombeiros e procurou algum corpo. Não achou nada.
Já estava chegando, e foi ficando preocupado. De quem seria esse cheiro de morte que estava pairando ali? Seria dele mesmo?
Estacionou o carro e viu um casal segurando um bebê recém nascido no colo. O casal entrou na casa em frente ao carro estacionado.
Ele trancou as portas e desceu a ladeira. Entrou num boteco pra comprar cigarro. Pediu um Marlboro vermelho e observou o movimento. Era ali que a morte estava. Algum noia ia entrar e assaltar o boteco, ainda ia atirar na sua cabeça. BAM! E ele ainda ia ter tempo de ver seu sangue e seus miolos no chão, antes de apagar.
Não foi isso que aconteceu.
Parou na esquina do boteco e acendeu o cigarro. Foi andando devagar e aproveitando cada tragada. Ia ser seu último cigarro.
Cruzou a catraca e seu cigarro estava na metade. Parou na porta do prédio e fumou o resto. Apagou a bituca num copinho de café que estava no murinho e levantou. Sentiu seu coração pulsando devagar.
Entrou na secretaria e buscou café. Não tinha. Resolveu subir. Estava mais que atrasado.
Antes, parou no banheiro pra mijar. Pôs o pau pra fora, no mictório, e apoiou a cabeça na parede. Lembrou-se de quando trabalhava na fábrica. Ele costumava dormir por dois minutos, com a cabeça apoiada na parede, enquanto mijava. Depois, aprendeu a fazer isso quando estava muito bêbado pra conseguir ficar em pé, pra mijar.
Lavou a mão e subiu, degustando degrau por degrau. Entrou na sala. Todos olharam pra ele. O professor continuou explicando.
Escutou no auto-falante do computador: "Eu sou Lucas Panoni e esse foi o Drops Plug USCS". Capotou na cadeira.

Morreu ali, na sala de aula, durante o discurso do professor Flávio Falciano, sobre seu programa de rádio jornal.


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