Um dia eu estava bêbado numa festa e me senti na obrigação
de contar a um amigo meu que já tinha transado com a garota que ele é
apaixonado. Foi uma vez, sexo sem importância, depois de beber pra caralho.
"Eu não pude evitar!", eu disse, enquanto ele dava tragadas
constantes em seu cigarro. Eu não queria deixar esse segredo me corroer por
mais tempo. Eu gostava muito dos dois e amava vê-los juntos e felizes, e não
queria que esta memória fosse uma mancha permanente na imagem que eu tinha
deles.
Ele me cumprimentou, me abraçou e respondeu "você foi
macho". Eu encarei esta resposta como um elogio, um sinônimo de 'corajoso'
ou 'honesto'. Achei que tivesse cumprido meu papel de homem de deixar tudo a
panos limpos. Ledo engano.
Minutos se passaram até ela chegar em mim, em prantos, me
indagando com veemência o motivo de eu ter contado aquilo pra ele. "Você
não sabe tudo que eu estou passando, você não tem ideia do que você me
causou", ela me disse. Eu realmente não tinha ideia. Quando tentei explicar
pra ela o motivo de eu querer esclarecer as coisas com ele, foi pra mim que as
coisas ficaram claras. "Coisa de homem" eu falei, "eu precisava
contar porque ele é meu amigo e somos homens". Moisés, o Antigo
Testamento, as Leis de Deus, o velho papo machista do nono mandamento: Não
desejarás a mulher do próximo.
Quando ela foi embora chorando, eu entendi porque fui macho.
Mais do que isso, nunca desejei tanto nunca ter sido macho. Meu mundo desabou.
As luzes apagaram, a música parou, o bar fechou. Paguei a conta mais cara da
minha vida.
Ontem vi um monte
de gente compartilhando a notícia de um estupro coletivo, onde mais de trinta
homens abusaram sexualmente de uma garota desacordada, fizeram vídeos e fotos e
postaram na internet. Mais que mulheres indignadas, eu vi caras esquivando de
ataques dizendo que nem todos os homens são escrotos a ponto de cometer uma
barbaridade dessas. Mas será que o cara que compartilhou o vídeo dizendo que
"amassaram a mina kkk" se sente um bárbaro escroto? Será que ele
percebe seu grau de responsabilidade num ato desta magnitude?
Eu não percebi. Cumprindo meu ~papel de homem~ eu magoei uma
mulher inocente que eu só quis tratar bem, respeitar, admirar, ter por perto e
nunca, NUNCA magoar. Então, qual é o meu nível de estuprador em potencial por
ter que cumprir este papel?
Se eu, do alto das minhas ~desconstruídas boas intenções~,
ainda ajo através de retrógradas convenções sexistas para justificar meus atos
irresponsáveis e deixar tranquila a minha consciência egoísta, quanto tempo
todos nós, homens, tão orgulhosos de nossa macheza, vamos levar até parar de
achar divertido (e até prazeroso) ignorar, diminuir, ofender, oprimir, agredir,
machucar ou até mesmo matar um indivíduo apenas por ele ter uma construção genética
diferente da nossa? E por que ainda acreditamos que temos que ser sempre os
conquistadores, os invasores, os desbravadores que teimam em fincar bandeiras e
demarcar territórios e posses sobre outros indivíduos?
Depois
de anos traindo minha avó com uma menina 40 anos mais
nova, meu avô foi descoberto pelos próprios filhos. Sem nenhuma
vergonha, ele
bateu na mesa dizendo ter cumprido seu papel de homem. Meu pai falou pra
ele: “painho,
o senhor foi macho pra tantas mulheres mas não foi pra uma só: a que
fazia sua
comida e lavava suas cuecas”. Então talvez ser macho não seja exatamente
um
elogio. Talvez a obrigação em cumprir nosso papel de homem só esteja nos
levando
pra um abismo sem fundo de falta de respeito e complacência, e as minas
estejam
certas em condenar TODOS os homens pelo erro bárbaro de trinta, porque
enquanto continuarmos fazendo vista grossa pra atrocidades como esta,
estaremos
alimentando o monstro que vai devorar nossas irmãs, primas, filhas e
netas.