terça-feira, 27 de agosto de 2013

E aí, vamos fazer pornô?

Dias atrás postei um texto que escrevi dentro do trem, enquanto ia para a faculdade. Foi um desabafo, uma tentativa de buscar fôlego, como se eu estivesse em um quarto hermeticamente fechado que começasse a inundar por um motivo desconhecido. A água sobe e o corpo bóia, mas chegando no teto, você tem que lutar pra respirar.
Esse texto me serviu de sobrevida até agora. Infelizmente é assim que vivemos hoje em dia, tendo que pular de galho em galho pra sobreviver e tentar um rumo na própria vida.
Não quero entrar no mérito político disso tudo, porque é tanta porcaria que não consigo nem tecer um raciocínio livre de intervenções maléficas baseadas em interesse e egoísmo. Existe uma força externa, que pressiona, incessantemente, as pessoas, coletivamente, para que sigam uma maré imaginária que só beneficia um pequeno grupo. Não sou o inventor da roda, isso é óbvio, mas parece que ninguém está enxergando.
Quando eu escrevi o texto do trem, imaginei que pudesse soar mal, porque ofende a ordem e o bem estar social. Poxa, todo mundo quer viver em paz, e pra viver em paz, deve haver ordem e disciplina. É o que dizem. Mas isso parece meio desequilibrado.
Ultimamente tenho visto as pessoas concordando com coisas ridículas que só me fazem questionar o quanto estamos nos distanciando do humano e nos aproximando do virtual-utópico. Estamos destruindo nossa personalidade mundana e nos transformando em perfis de facebook. É como um filme de ficção científica complexo, onde nosso corpo é só parte da matéria que compõe a Terra, mas nossa consciência está presa num computador, numa vida virtual, onde todos somos rebanhos vivendo felizes e prosperando para o bem do grupo.
Mas quem disse que eu quero viver em prol do grupo? O Papa? O Obama? Deus? E quem disse que viver em prol do grupo é uma coisa boa? Não para mim, pelo menos.
Seguimos o caminho do pastor, que nos ensina a aceitar tudo que não podemos mudar. Nos ensina a ser complacentes com o caminho que nos submeteram.
Voltando à metáfora do quarto fechado: antes eu me perguntava o por quê de estar lá dentro, agora eu me pergunto o porque da água estar me sufocando. Em breve não farei mais perguntas, porque vou aceitar o condicionamento e vou viver como um peixe, ou qualquer outra coisa que moraria num aquário hermeticamente fechado com a água das regras para o convívio e o bem estar coletivo.
BEM ESTAR COLETIVO é eufemismo pra paumolescência, e isso é o pior que podemos esperar de nossa sociedade. E aliás, esse é o motivo desse manifesto. Anota aí: BEM ESTAR COLETIVO É PAUMOLESCÊNCIA.
Eu vou explicar: Sou torturado todos os dias. Sou torturado pelo adesivo de "mantenha a esquerda livre pra circulação" e pelo de "proteja seus pertences", sou torturado pelo julgamento alheio, sou torturado pelos cartazes de "mais amor por favor", sou torturado pelo excesso de pacifismo de uma população.
Cansaço. Esse é o motivo. Estamos todos cansados demais pra sermos humanos.
E quando tudo é cansaço, tudo é preguiça, tudo é inércia, optamos pelo conforto. Gado tranquilo é carne macia. Nos empanturram 1000 gifs de gatinhos fofinhos, nos ensinam a decorar nossa casa, nosso ninho, nossa toca. Conforto e praticidade para você não precisar sair da jaula. Comida processada. Programação 24h. Conectividade a mil. Google Street View. Maratona pra manter o corpo em forma. Veganismo. Cachorro com stress. Ofurô. Ascensorista. Vagas vip. Balada top. Top 10 vídeos da internet. Miley Cyrus. Bistrô gourmet.
(pausa)
E agora eles vem mexer na minha pornografia? "Mimimi, não precisamos disso, queremos sexo saudável e real". "Contente-se com a Sasha Grey no programa do Danilo Gentili, olha como somos legais" "50 Tons de Cinza é um livro ousado!"
Enquanto isso, no metrô, a esposa está marcando um encontro com seu ginecologista. Ele provavelmente conhece aquela buceta bem mais a fundo que o marido.
Tenho vontade de bater com meu pau na cara desses falsos moralistas que defendem o amorzinho. Que choram vendo clipe de casamento do Marcelo Jeneci. E olha que eu já tentei me adequar hein? Não é nada pessoal, é o mundo que precisa explodir.
Falei pra minha namorada: "quando estamos sobrecarregados com alguma injustiça do sistema, tomamos uma atitude. Uns picham o muro, outros tocam hardcore. Eu vou fazer pornografia."
E espero que Deus esteja comigo. Caso contrário, será blasfêmia e nos encontraremos no inferno.

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

O Trem

Desconfio que o convívio interpessoal no trem seja o último resquício da selvageria e bestialidade no ser humano.

Somos transportados todos os dias como animais em cativeiro, e habitamos este pequeno espaço cumprindo muito bem esse papel - embora hajam indícios de que os animais sejam melhor transportados.
Mas se pensarmos bem, podemos nos comportar como tal, e sob a ótica antropológica, isso é, no mínimo, interessante.

Pense bem: no trem, ninguém é de ninguém. Sobram mãos pra lá e pra cá, carícias involuntárias, encoxadas. Porém, também há violência: empurrões, cotoveladas, arranhões, esbarrões e pontapés. É a dança do acasalamento do homo sapiens sapiens.

E ainda há quem se sinta violado. Uma simples troca de olhares significa invasão de território. Respeite o espaço do cidadão exemplar.

Acontece que, no trem, não há civilidade que resista. Jovens apaixonados, mulheres adúlteras, adolescentes em erupção, velhos pervertidos, crianças mimadas... enfim, um rebanho inteiro homogeneizado a caminho do abate.

Ovelhas negras, brancas, pardas e malhadas, transportadas como cargas para cumprir suas funções diárias.

Somos todos galinhas de um, dois ou nenhum coração, debicadas pelo calaboca da redução da tarifa do transporte público metropolitano.

E os pastores ainda querem nos orden(h)ar: esquerda livre pra circulação, cuidado com seus pertences, desembarque pelas extremidades, não segure as portas, não lute contra a força esmagadora do sistema.

"É pra facilitar a vida de quem tem pressa". Pressa de quê? Produzir? Gerar leite, lã, ovos, renda? A troco de que? Dignidade?

Gado tranquilo é carne macia.

Mas cuidado com o vão entre o trem e a plataforma - cavalo de pé quebrado é inútil, e tem que sacrificar.