sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Um passeio pelo mundo livre*


*O título faz uma alusão á música de Chico Science, que não fala sobre a mesma temática da crônica, mas também faz um questionamento sobre o que é liberdade na nossa “Sociedade” (Aspas usadas pelo compositor).

Sempre fui um cara normal, sem muitas ambições. Dentro dos meus (poucos) relacionamentos, sempre prezei pelo romantismo e pela fidelidade. Mas dentro de mim, havia um outro cara que queria aparecer. Um cara que tinha muita curiosidade em conhecer o “submundo”, o universo das casas noturnas, a vida promíscua, que se sustenta pelas margens da sociedade desde que o mundo é mundo. Conduzi meu amigo Zé pra uma night club em São Bernardo. Conduzi, sim, porque quem me levou foi ele. Eu apenas dirigi. Quando entramos, fomos muito bem recebidos, primeiro pelo gerente da casa, que nos deixou à vontade.
 Tínhamos quatro latas de cerveja de crédito pelo pagamento da entrada. Eu tinha pouco dinheiro – 60 reais contados, com conta bancária no negativo e sem cartão de crédito (e o Zé já havia pago a gasolina) – então tratamos de pegar o que já era nosso por direito.
Até a segunda latinha, eu e Zé conversamos sobre as trivialidades da vida, coisas comuns do cotidiano. Foi quando eu compartilhei com meu amigo a minha primeira conclusão: “Se todas as pessoas fossem tão gentis quando um gerente de boate, o mundo seria um lugar melhor”. Brindamos a pauta da minha nova crônica.
Na terceira lata, resolvemos sentar no sofá. Não demorou e chegou uma morena pra nos acompanhar. Ao que eu conseguia enxergar, Priscila era bastante atraente.
 No meio da conversa, Zé citou que eu era jornalista e que estava procurando histórias da vida noturna pra registrar. A resposta de Priscila me soou como uma música de Roberto Carlos: “Eu tenho tanto pra lhe falar, mas com palavras não sei dizer.”
Priscila me contou de uma amiga que foi se aventurar no mundo externo (o que elas chamam de “fazer saída”) e um homem a levou a uma chácara num lugar muito afastado. Entre beijos e carícias a amiga precisou ir ao banheiro, ao contragosto do homem, e ao chegar no recinto, percebeu que a banheira estava cheia de gelo. Conclusão: O homem mal encarado a mataria e conservaria seus órgãos no gelo para vender mais tarde. Assombroso, mas era esse tipo de história que eu estava procurando.
Não me recordo de quanta cerveja bebi neste dia, mas a cena mais próxima desta sequência que eu me recordo é de Priscila sentada no meu colo de frente e Lana (uma outra morena, mais nova, e não menos voluptuosa) ao meu lado, passando a mão no meu peito.
Foi quando Zé voltou do banheiro com uma outra morena, Juliana, mais corpulenta e mais experiente, com um vestido colado que dava asas à imaginação. Me lembro do discurso de Zé ao apresenta-la. Não vou entrar em detalhes, mas provavelmente a moça devia conhecer de diplomacia e oratória, porque ele exaltava suas habilidades orais.
Foi naquele momento que eu percebi a semelhança do submundo com o mundo externo. Eu tinha tudo. Duas mulheres sentadas no meu colo, cerveja e petiscos á vontade. Estava me sentindo tão bem que me lembro de ter exclamado “Estou no paraíso!”. Ai Priscila me fez a pergunta crucial: “E então amor, vamos subir para o quarto?”.
Eu subiria, mas me lembrei que estava ali como cliente. Era a lei da oferta e procura. Eu queria comprar, mas não tinha dinheiro, logo, o que elas poderia fazer? Vender de graça é dar, e elas não dão.
Perguntei o preço só para confirmar. 150 reais.
Cortaram o meu barato. Era como se você estivesse flutuando no céu com balões e uma flecha te acertasse, fazendo você despencar. Deixei claro, depois de muita insistência, que eu era estudante de jornalismo, desempregado, e que pela lei natural das coisas, aquele padrão estava muito alto para mim. “O que você pode fazer por 60 reais?” ainda perguntei, mas não havia produtos mais baratos.
No mesmo momento Lana sumiu e Priscila levantou do meu colo. Juliana arrastou meu amigo Zé para cima, e eu já não tinha mais nada, a não ser os petiscos – cortesia da casa. Ali, sentado naquele sofá, vendo Lana girar para outro cara sem sentir nenhum ciúme, e Priscila passear mandando beijinhos para mim, comecei a observar a paisagem de modo mais amplo.
Pessoas comuns, meninas da minha idade, que poderiam ter estudado comigo, crescido comigo, ser minhas amigas, minhas primas ou minhas irmãs, fingindo ser o que não eram – a contragosto ou não, por falta de opção ou não – para se sustentar e para garantir o pão diário. O que mais seria isso, senão um reflexo de uma sociedade pura? Num reflexo, vemos exatamente a mesma imagem, porém invertida. E foi exatamente o que eu vi, naquele momento. Uma sociedade inteira, com valores invertidos, prezando pela sacanagem e pela putaria, ao invés da moral e bons costumes.
A pergunta que fica é a seguinte: Será que quando nossa sociedade externa conseguir estabelecer a libertinagem como um direito conquistado e fazer disso uma espécie de valor, teremos que ir às boates para comprar doses de amor, carinho, respeito e compaixão?

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Terça


Ontem foi segunda
Eu folguei, ela trabalhou
Aproveitei pra arrumar a sala.
Organizei nossos filmes,
Os livros dela
Nossas revistas e quadrinhos

Hoje é terça
Não consegui achar o cinzeiro,
No fim, tava embaixo das roupas
A mesinha de centro tá com os restos de comida chinesa
Junto com o controle do videogame,
os pratos, copos e talheres
E as garrafas
E os livros, as revistas e os quadrinhos

Então ela me pergunta
"Essa mancha no sofá
é whisky ou porra?"

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Nós

Sou um misto de
Charles Bukowski
Nenê Altro
e Raul Seixas

Admiro grandes homens,
como Tom Zé e Belchior
Bixler-Zavala e Rodriguez-Lopez
Moon, Bá, Way,
Quentin e Mutarelli
Selton e Grampá
Caeto e Coutinho
Rafael Campos Rocha

Sou um misto de um monte de caras
Me identifico e queria parecer
Queria ter tanta coragem
Mas não sei até que ponto isso tudo pode ser verdade
Ou apenas a ficção
do cotidiano
interpretado por eles todos

É difícil saber quem eu sou
Sendo tantos ao mesmo tempo

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Não há vagas para visitantes

- Adorei nosso almoço hoje, babe.
- Eu também curti.


Eu sempre fui um estranho no ninho. Aparecer num lugar novo e completamente desconhecido não é novidade pra mim. Acontece que hoje, na minha primeira segunda feira de folga morando na Vila Mariana, eu me dei conta da nova fase que estou começando.
Havíamos comido num restaurante árabe dessa vez. Ela pagou, de novo. Na próxima a gente vai no espanhol.
Voltei caminhando e ela foi trabalhar. Passei a observar o novo cenário que eu me introduzia: asfalto, movimento, carros, pessoas no celular, calor. Hora do almoço. Gente fumando e andando, comendo e andando, falando e andando, e eu, cagando e andando.
São Paulo é um lugar estranho. Está sempre em movimento, sempre acontecendo. Mas é como se fosse um grande organismo formado por outros organismos pequenos. Cada um com sua vida, sua energia, sua engrenagem. Eles se movimentam sozinhos, e assim, fazem o grande sistema rodar. E eu estava no meio, sendo levado pela grande onda, pra qualquer lugar que eu caísse.
Lembrei de quando cheguei nesta terra nova. Me senti meio estranho. Me senti vigiado, como se todos olhassem para mim, me julgando e classificando, me definindo como mais um recém chegado. Passei por uma placa que me fez lembrar que eu não pertencia àquele lugar. "Não há vagas para visitantes". A placa se referia a um estacionamento de um condomínio, onde as vagas eram contadas exatamente para o número de moradores. Mas a carapuça serviu e eu fiquei pensando nisso, em quanto tempo eu levaria para ser sugado pelo grande monstro da cidade grande e me tornar mais um de seus órgãos - cancerígeno ou não.
Não é nenhum grande problema, visto que em casa eu tenho tudo que preciso. Tenho uma cama confortável, comida no prato e uns agrados de uma moça bonita. Mas é sim, um fato irrefutável de que esta é uma fase que pode deixar marcas profundas no que a gente acredita ser.
Por fim, o que é esta cidade senão um misto de visitantes diferentes que acabam se hospedando definitivamente em seu núcleo? E eu, o que seria senão mais um destes?