*O título faz uma alusão á música de Chico Science, que não fala sobre a mesma temática da crônica, mas também faz um questionamento sobre o que é liberdade na nossa “Sociedade” (Aspas usadas pelo compositor).
Sempre fui um cara normal, sem
muitas ambições. Dentro dos meus (poucos) relacionamentos, sempre prezei pelo
romantismo e pela fidelidade. Mas dentro de mim, havia um outro cara que queria
aparecer. Um cara que tinha muita curiosidade em conhecer o “submundo”, o
universo das casas noturnas, a vida promíscua, que se sustenta pelas margens da
sociedade desde que o mundo é mundo. Conduzi
meu amigo Zé pra uma night club em São Bernardo. Conduzi, sim, porque quem me
levou foi ele. Eu apenas dirigi. Quando entramos, fomos muito bem recebidos,
primeiro pelo gerente da casa, que nos deixou à vontade.
Tínhamos
quatro latas de cerveja de crédito pelo pagamento da entrada. Eu tinha pouco
dinheiro – 60 reais contados, com conta bancária no negativo e sem cartão de
crédito (e o Zé já havia pago a gasolina) – então tratamos de pegar o que já
era nosso por direito.
Até a
segunda latinha, eu e Zé conversamos sobre as trivialidades da vida, coisas
comuns do cotidiano. Foi quando eu compartilhei com meu amigo a minha primeira
conclusão: “Se todas as pessoas fossem tão gentis quando um gerente de boate, o
mundo seria um lugar melhor”. Brindamos a pauta da minha nova crônica.
Na
terceira lata, resolvemos sentar no sofá. Não demorou e chegou uma morena pra
nos acompanhar. Ao que eu conseguia enxergar, Priscila era bastante atraente.
No
meio da conversa, Zé citou que eu era jornalista e que estava procurando
histórias da vida noturna pra registrar. A resposta de Priscila me soou como
uma música de Roberto Carlos: “Eu tenho tanto pra lhe falar, mas com palavras
não sei dizer.”
Priscila
me contou de uma amiga que foi se aventurar no mundo externo (o que elas chamam
de “fazer saída”) e um homem a levou a uma chácara num lugar muito afastado.
Entre beijos e carícias a amiga precisou ir ao banheiro, ao contragosto do homem,
e ao chegar no recinto, percebeu que a banheira estava cheia de gelo.
Conclusão: O homem mal encarado a mataria e conservaria seus órgãos no gelo
para vender mais tarde. Assombroso, mas era esse tipo de história que eu estava
procurando.
Não
me recordo de quanta cerveja bebi neste dia, mas a cena mais próxima desta
sequência que eu me recordo é de Priscila sentada no meu colo de frente e Lana
(uma outra morena, mais nova, e não menos voluptuosa) ao meu lado, passando a
mão no meu peito.
Foi
quando Zé voltou do banheiro com uma outra morena, Juliana, mais corpulenta e
mais experiente, com um vestido colado que dava asas à imaginação. Me lembro do
discurso de Zé ao apresenta-la. Não vou entrar em detalhes, mas provavelmente a
moça devia conhecer de diplomacia e oratória, porque ele exaltava suas
habilidades orais.
Foi
naquele momento que eu percebi a semelhança do submundo com o mundo externo. Eu
tinha tudo. Duas mulheres sentadas no meu colo, cerveja e petiscos á vontade.
Estava me sentindo tão bem que me lembro de ter exclamado “Estou no paraíso!”.
Ai Priscila me fez a pergunta crucial: “E então amor, vamos subir para o
quarto?”.
Eu subiria, mas me lembrei que
estava ali como cliente. Era a lei da oferta e procura. Eu queria comprar, mas
não tinha dinheiro, logo, o que elas poderia fazer? Vender de graça é dar, e
elas não dão.
Perguntei o preço só para
confirmar. 150 reais.
Cortaram o meu barato. Era como
se você estivesse flutuando no céu com balões e uma flecha te acertasse,
fazendo você despencar. Deixei claro, depois de muita insistência, que eu era
estudante de jornalismo, desempregado, e que pela lei natural das coisas,
aquele padrão estava muito alto para mim. “O que você pode fazer por 60 reais?”
ainda perguntei, mas não havia produtos mais baratos.
No
mesmo momento Lana sumiu e Priscila levantou do meu colo. Juliana arrastou meu
amigo Zé para cima, e eu já não tinha mais nada, a não ser os petiscos –
cortesia da casa. Ali, sentado naquele sofá, vendo Lana girar para outro cara
sem sentir nenhum ciúme, e Priscila passear mandando beijinhos para mim,
comecei a observar a paisagem de modo mais amplo.
Pessoas comuns, meninas da minha
idade, que poderiam ter estudado comigo, crescido comigo, ser minhas amigas,
minhas primas ou minhas irmãs, fingindo ser o que não eram – a contragosto ou
não, por falta de opção ou não – para se sustentar e para garantir o pão
diário. O que mais seria isso, senão um reflexo de uma sociedade pura? Num
reflexo, vemos exatamente a mesma imagem, porém invertida. E foi exatamente o
que eu vi, naquele momento. Uma sociedade inteira, com valores invertidos,
prezando pela sacanagem e pela putaria, ao invés da moral e bons costumes.
A pergunta que fica é a seguinte:
Será que quando nossa sociedade externa conseguir estabelecer a libertinagem
como um direito conquistado e fazer disso uma espécie de valor, teremos que ir
às boates para comprar doses de amor, carinho, respeito e compaixão?