quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Dois Barcos

A verdade é que eu me sinto em casa, e isso é estranho. Levanto, abro as janelas, arrumo a cama. Desço, faço o café e o tomo, assistindo TV. Falta você.
Falta você porque foi você quem me trouxe aqui pela primeira vez. Foi você que me mostrou o quintal, a sala, a cozinha, o quartinho e a varanda.
Varanda essa que já nos serviu - e não faz tanto tempo - de divã. Conversamos muito sobre muitas coisas nessa varanda. Nos primeiros dias juntos, falávamos de assuntos tão difíceis que só mesmo meia dúzia de cervejas e um maço de cigarros pra acompanhar. Estávamos tendo dias difíceis. Meses difíceis. O fim do ciclo.
A luz da varanda iluminava o quarto todo, e eu me perguntava se aquilo tudo não era só um filme com uma fotografia linda. Aparentemente não.
Os lençóis arrumados e, quando não, amassados e jogados para fora da cama. Quem imaginaria que essa se tornaria a minha cama?
Na sala, seus livros. Era tudo tão organizado, tão milimetricamente bagunçado que reagia, que funcionava como um Universo. Hoje, eu entrei nesse Universo, não fui dominado, nem dominei, coexisti. A prova disso são os meus livros junto com os seus. Os meus filmes - e não são todos - junto com os seus. Meus cds...
Nossos vinis. Eles são a prova do colapso de dois Universos. O começo de uma nova era, de duas vidas se unindo no mesmo tempo-espaço, e interagindo com o meio, modificando, evoluindo.
Éramos tão diferentes no ano passado. Éramos o que aprendemos a ser para suportar, pra sobreviver. Hoje não há sobrevida.
Hoje, eu dobro os lençóis, lavo a louça, penduro a roupa no varal e sinto o perfume do passado. Não é saudade, é um tipo de nostalgia recente, mas ao mesmo tempo antiga. Como se fosse uma fotografia de um lugar que não existe mais.
Até porque, eu gosto do que somos hoje, e sei que o que somos se deve ao fato de sermos totalmente responsáveis por esta transformação.
Toda interação valeu de aprendizado. Não é amor, apenas. É coexistência.

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Eu também vou reclamar

Cada vez que eu me conecto com as pessoas ao meu redor, fico incomodado. Quero reclamar de tudo: Da hipocrisia dos que assistem o BBB, da burrice dos que cometem erros gramaticais graves, dos que julgam sem conhecer, dos que pregam sua ideologia recém adquirida com unhas e dentes. Também quero reclamar dos que usam hashtags pra tudo, dos que postam comida no Instagram, das meninas que gostam de homens barbados (e que não tem critério nenhum - a definição de barba vai desde a sujeirinha na cara até os bigodes e cavanhaques), das que postam suas unhas ridículas, seus sapatos cafonas e seus vestidos iguais.
A música também me incomoda: o funk mal cantado é agressivo aos ouvidos, o sertanejo universitário exalta a fraqueza de conversa dos homens, que preferem investir o dinheiro que tem em carros e bebidas para ter mulheres fáceis, sem perceber que, dessa maneira, só tendem a perder tudo no futuro.
O pagode também segue a fórmula "mais do mesmo" e idolatra as festas e orgias. Chega a dar saudade do Raça Negra, do Só Pra Contrariar...
Onde foi parar a boa música brasileira? Onde foi parar o nosso senso crítico? Onde foi parar o bom gosto?
Hoje em dia, por conta dessa macacada toda que está a nossa vida, quem tem conhecimento de coisas relevantes tende a guardar pra si, a esconder, pra não ter que dividir e estragar. Pra não virar uma parte dessa enxurrada da tempestade onomatopeica de parapapá, lelelê e tchu tcha tchá.
Não vou dizer que tudo que eu consumo é de alto requinte e só o que eu gosto é digno de ser chamado de bom, mas poxa, também tenho o direito de sonhar com o dia em que todos nós leremos livros com conteúdo relevante, músicas que transmitam algum sentimento (e que não sirvam apenas pra exaltar Camaros, Celtas e Fiorinos), filmes que nos façam sair do cinema pensativos e por aí vai.
Sempre que eu penso em reclamar dos outros acabo tendo preguiça de me manifestar, porque sei que há uma boa parte que salva a maioria dessa perspectiva desastrosa. Mas não custa nada sonhar com uma sociedade bacana, com todo mundo sabendo que um compartilhamento de imagem no Facebook não vai doar cinco centavos ao menino faminto da foto.

sábado, 12 de janeiro de 2013

Naufrágio

Chega, senta, olha ao redor. Queria ser livre, mas tem medo de nadar. Queria sentir o mar subindo cada vez mais e a engolindo. Vez em quando queria flutuar. Pisar nas águas e caminhar pra frente, sem direção. Ao invés disso, prefere desenhar espirais cavando e enterrando os dedos na areia.                    
Conheceu um homem que a amou muito. O homem a fez mulher. Ela gostava de tê-lo ao lado. Se sentia protegida.
Construiu nele uma muralha, um forte. Se desarmou, se despiu. Adormeceu. Estagnou. Quando acordou, a muralha cedia. A maré subiu e foi levando pedra por pedra.
Ela assistia, desesperada. Tentava reerguer as pedras, mas o vai e vem das ondas rolavam-nas para o fundo. Se viu aos prantos, despida, sem muralha, desenhando espirais na areia.

Chega, senta, olha ao redor. Queria ser livre, mas não sabe dirigir. Queria acelerar fundo numa rodovia, mas qual o momento de trocar a marcha? Vez em quando, afundar o pára-choque num poste ou guardirreio. Capotar numa curva. Sair da estrada. Morrer no mar. Ao invés disso, prefere desenhar espirais com o canudo do drink.
Afoga seus anseios no intervalo entre doses e busca um glamour barato no derreter de sua vida dentro do copo americano.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

domingo, 6 de janeiro de 2013

Saudade

Hoje faz frio na Chapada Diamantina. E a saudade só fica maior.
Descobri que a saudade é um ponto no plano cartesiano do Universo.
mas, contrariando as expectativas, esse ponto não transita no eixo das horas.
ele percorre o eixo do                     espaço
de modo que
                    à medida em que
                                              a gente vai distanciando
                                                                                  a saudade A U M E N T A.
e quando já tá quase pra explodir
                                                  o
                                                 tem
                                                  po
                                                 pas
                                                  sa
                         cima.
                  para
e ela cresce

e quando menos esperamos, a bolha >explode<
e estamos juntos de novo.