sexta-feira, 27 de maio de 2016

Papel de Homem

Um dia eu estava bêbado numa festa e me senti na obrigação de contar a um amigo meu que já tinha transado com a garota que ele é apaixonado. Foi uma vez, sexo sem importância, depois de beber pra caralho. "Eu não pude evitar!", eu disse, enquanto ele dava tragadas constantes em seu cigarro. Eu não queria deixar esse segredo me corroer por mais tempo. Eu gostava muito dos dois e amava vê-los juntos e felizes, e não queria que esta memória fosse uma mancha permanente na imagem que eu tinha deles.
Ele me cumprimentou, me abraçou e respondeu "você foi macho". Eu encarei esta resposta como um elogio, um sinônimo de 'corajoso' ou 'honesto'. Achei que tivesse cumprido meu papel de homem de deixar tudo a panos limpos. Ledo engano.
Minutos se passaram até ela chegar em mim, em prantos, me indagando com veemência o motivo de eu ter contado aquilo pra ele. "Você não sabe tudo que eu estou passando, você não tem ideia do que você me causou", ela me disse. Eu realmente não tinha ideia. Quando tentei explicar pra ela o motivo de eu querer esclarecer as coisas com ele, foi pra mim que as coisas ficaram claras. "Coisa de homem" eu falei, "eu precisava contar porque ele é meu amigo e somos homens". Moisés, o Antigo Testamento, as Leis de Deus, o velho papo machista do nono mandamento: Não desejarás a mulher do próximo.
Quando ela foi embora chorando, eu entendi porque fui macho. Mais do que isso, nunca desejei tanto nunca ter sido macho. Meu mundo desabou. As luzes apagaram, a música parou, o bar fechou. Paguei a conta mais cara da minha vida.
Ontem vi um monte de gente compartilhando a notícia de um estupro coletivo, onde mais de trinta homens abusaram sexualmente de uma garota desacordada, fizeram vídeos e fotos e postaram na internet. Mais que mulheres indignadas, eu vi caras esquivando de ataques dizendo que nem todos os homens são escrotos a ponto de cometer uma barbaridade dessas. Mas será que o cara que compartilhou o vídeo dizendo que "amassaram a mina kkk" se sente um bárbaro escroto? Será que ele percebe seu grau de responsabilidade num ato desta magnitude?
Eu não percebi. Cumprindo meu ~papel de homem~ eu magoei uma mulher inocente que eu só quis tratar bem, respeitar, admirar, ter por perto e nunca, NUNCA magoar. Então, qual é o meu nível de estuprador em potencial por ter que cumprir este papel?

Se eu, do alto das minhas ~desconstruídas boas intenções~, ainda ajo através de retrógradas convenções sexistas para justificar meus atos irresponsáveis e deixar tranquila a minha consciência egoísta, quanto tempo todos nós, homens, tão orgulhosos de nossa macheza, vamos levar até parar de achar divertido (e até prazeroso) ignorar, diminuir, ofender, oprimir, agredir, machucar ou até mesmo matar um indivíduo apenas por ele ter uma construção genética diferente da nossa? E por que ainda acreditamos que temos que ser sempre os conquistadores, os invasores, os desbravadores que teimam em fincar bandeiras e demarcar territórios e posses sobre outros indivíduos?

Depois de anos traindo minha avó com uma menina 40 anos mais nova, meu avô foi descoberto pelos próprios filhos. Sem nenhuma vergonha, ele bateu na mesa dizendo ter cumprido seu papel de homem. Meu pai falou pra ele: “painho, o senhor foi macho pra tantas mulheres mas não foi pra uma só: a que fazia sua comida e lavava suas cuecas”. Então talvez ser macho não seja exatamente um elogio. Talvez a obrigação em cumprir nosso papel de homem só esteja nos levando pra um abismo sem fundo de falta de respeito e complacência, e as minas estejam certas em condenar TODOS os homens pelo erro bárbaro de trinta, porque enquanto continuarmos fazendo vista grossa pra atrocidades como esta, estaremos alimentando o monstro que vai devorar nossas irmãs, primas, filhas e netas.

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