Desconfio que o convívio interpessoal no trem seja o último resquício da selvageria e bestialidade no ser humano.
Somos transportados todos os dias como animais em cativeiro, e habitamos este pequeno espaço cumprindo muito bem esse papel - embora hajam indícios de que os animais sejam melhor transportados.
Mas se pensarmos bem, podemos nos comportar como tal, e sob a ótica antropológica, isso é, no mínimo, interessante.
Pense bem: no trem, ninguém é de ninguém. Sobram mãos pra lá e pra cá, carícias involuntárias, encoxadas. Porém, também há violência: empurrões, cotoveladas, arranhões, esbarrões e pontapés. É a dança do acasalamento do homo sapiens sapiens.
E ainda há quem se sinta violado. Uma simples troca de olhares significa invasão de território. Respeite o espaço do cidadão exemplar.
Acontece que, no trem, não há civilidade que resista. Jovens apaixonados, mulheres adúlteras, adolescentes em erupção, velhos pervertidos, crianças mimadas... enfim, um rebanho inteiro homogeneizado a caminho do abate.
Ovelhas negras, brancas, pardas e malhadas, transportadas como cargas para cumprir suas funções diárias.
Somos todos galinhas de um, dois ou nenhum coração, debicadas pelo calaboca da redução da tarifa do transporte público metropolitano.
E os pastores ainda querem nos orden(h)ar: esquerda livre pra circulação, cuidado com seus pertences, desembarque pelas extremidades, não segure as portas, não lute contra a força esmagadora do sistema.
"É pra facilitar a vida de quem tem pressa". Pressa de quê? Produzir? Gerar leite, lã, ovos, renda? A troco de que? Dignidade?
Gado tranquilo é carne macia.
Mas cuidado com o vão entre o trem e a plataforma - cavalo de pé quebrado é inútil, e tem que sacrificar.
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